ANTICOAGULAÇÃO NA GRAVIDEZ - SAF (TROMBOFILIA ADQUIRIDA) E TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS 

 

As mudanças anatômicas e hormonais que ocorrem no organismo da mulher deixam as gestantes mais expostas aos riscos de um evento trombótico durante a gravidez. Dessa forma, é importante saber atuar na profilaxia e ter conhecimento do uso da anticoagulação em situações especiais e em patologias em que a trombose pode ocorrer na ausência de um manejo adequado. Nessas ocasiões, a escolha do anticoagulante se transforma em um grande desafio. Os cumarínicos são drogas que atuam na inibição da síntese dos fatores de coagulação. São considerados teratogênicos quando utilizados no primeiro trimestre e exigem controle pelo índice internacional de normatização (INR), porém, têm a vantagem do baixo custo e da administração por via oral, podendo ser uma alternativa quando utilizado entre a 13ª e a 36ª semana de gestação. As heparinas atuam como cofator da antitrombina III, aumentando sua capacidade de neutralizar enzimas hemostáticas. Quando usadas por longos períodos, podem causar osteopenia e trombocitopenia. Com relação às medicações alternativas, não existem muitos estudos que possam garantir a eficácia e a segurança de sua utilização durante a gravidez. Ficam reservadas para os casos de contraindicação ao uso da heparina. A anticoagulação nas pacientes portadoras de síndrome antifosfolipídeo (SAF) é feita de acordo com as manifestações da doença que podem variar de perdas gestacionais associadas ou não a tromboses arteriais ou venosas. Com relação às pacientes portadoras de trombofilias hereditárias, a anticoagulação na gravidez será feita tomando como base o tipo de trombofilia (baixo ou alto risco) e a ocorrência ou não de evento trombótico prévio.

 

O uso de anticoagulantes durante a gravidez está indicado às pacientes que apresentam suspeita ou diagnóstico de trombose venosa profunda, embolia pulmonar, fibrilação atrial crônica, dilatação atrial; na profilaxia de trombose nas portadoras de prótese valvares metálicas e em pacientes com eventos recentes de tromboses arteriais e acidente vascular cerebral (AVC).1 Atualmente, esse grupo está acrescido das portadoras da síndrome antifosfolipídeo (SAF) e de outras trombofilias adquiridas ou hereditárias.

 

Todas as gestantes em uso de anticoagulantes devem ser informadas da importância da correta adesão ao tratamento, dos seus riscos, da interação com drogas e alimentos, de como fazer o controle e atuar em situações de emergência e receber cartão ou formulário de controle dos exames. No cartão de acompanhamento do pré-natal, a informação "em uso de anticoagulante" deve estar registrada na primeira página.

 

HEPARINA

 

As heparinas previnem a formação e limitam a extensão do trombo. São inativadas no intestino e, por isso, requerem administração por via parenteral, tornando-se uma desvantagem quando o uso prolongado é necessário. As HNF possuem elevado peso molecular (em média 15.000 Da) e não atravessam a barreira placentária. Estas possuem meia-vida muito curta (4-6 horas) e biodisponibilidade de 10%. O uso prolongado durante a gestação predispõe à formação de equimoses frequentes e infecções locais e o desenvolvimento de osteopenia em um terço das pacientes. A trombocitopenia é outra complicação do uso da heparina não fracionada. A forma leve da trombocitopenia induzida pela heparina surge nos primeiros dias do uso da medicação e é reversível. A forma grave, imune e mais rara pode paradoxalmente causar trombose. Deve-se suspender a utilização da droga quando a contagem de plaquetas está abaixo de 50.000. Da mesma forma que as HNF, as heparina de baixo peso molecular (HBPM) não atravessam a barreira placentária, entretanto, apresentam como desvantagem o alto custo e como vantagem a meia-vida mais longa (12-24 horas), a biodisponibilidade de 85% e o menor risco de trombocitopenia e sangramento. A enoxaparina e a dalteparina são as únicas HBPM, até o momento, amplamente avaliadas na gravidez. Tanto as HNF quanto as HBPM podem ser utilizadas de forma profilática ou terapêutica.

 

SÍNDROME ANTIFOSFOLIPÍDEO (SAF)

 

Para pacientes com SAF e com história de abortamento recorrente, o tratamento com aspirina em baixa dose (100 mg por dia) e heparina profilática aumenta, consideravelmente, a taxa de nascidos vivos. A heparina interfere na cascata de coagulação, diminui a ativação do complemento, pode influenciar o mecanismo de placentação e evita a perda gestacional mediada pelos anticorpos antifosfolipídicos.

 

Para pacientes com SAF e perda fetal tardia, recomenda-se a aspirina em combinação com doses profiláticas de heparina, sendo eficazes tanto a HNF quanto a HBPM.

 

Nas pacientes com história de trombose e presença persistente de anticorpos antifosfolipídeos (aPL), existe alto risco de recorrência da trombose. Assim, todas as mulheres com SAF e trombose anterior devem manter o tratamento antitrombótico durante todo o período de gravidez, bem como no pós-parto. O tratamento de escolha é a combinação de aspirina em baixa dose e heparina em dose plena para anticoagulação terapêutica. Não há evidência do tipo ideal de heparina: HNF ou HBPM. A HBPM, enoxaparina na dose de 1,0 mg/kg a cada 12 horas em injeções subcutâneas, possui menor risco de induzir trombocitopenia e não há necessidade do monitoramento através de testes de coagulação.

 

TROMBOFILIAS HEREDITÁRIAS

 

Com relação às pacientes portadoras de trombofilias hereditárias, a anticoagulação na gravidez também será feita baseada no tipo de trombofilia (de baixo ou alto risco) e na manifestação clínica, ou seja, na ocorrência e gravidade do evento trombótico.

 

As pacientes com história prévia de TEV ou que apresentem um evento agudo durante a gravidez deverão receber anticoagulação durante a gestação e puerpério, independentemente do diagnóstico de trombofilia hereditária. As pacientes com trombofilia hereditária, mas sem história pessoal de TEV, deverão receber profilaxia de acordo com o tipo de trombofilia e com a história familiar de TEV. As trombofilias consideradas de baixo risco são as mutações heterozigóticas do fator V ou do gene da protrombina G20210A e as deficiências da proteína C ou da proteína S. Enquanto as trombofilias de alto risco são as mutações homozigóticas do fator V ou do gene da protrombina G20210A, deficiência da antitrombina III e duplos heterozigotos para fator V e para o gene da protrombina G20210A.

 

MANEJO DURANTE O TRABALHO DE PARTO E PARTO

 

Nas pacientes que se encontram em uso de cumarínico, o mesmo deve ser trocado após 36 semanas de gestação por heparina, que será reiniciada após o procedimento e mantida até dois dias após, quando o cumarínico é reintroduzido. A HNF deve ser suspensa quando a paciente entrar na fase ativa do trabalho de parto. Nos casos de cesariana eletiva, ela deve ser realizada na 39ª semana de gestação e a HBPM deve ser suspensa 24 horas antes do parto. Caso a paciente entre em trabalho de parto em vigência de anticoagulação, seja profilática ou plena, a medicação deve ser suspensa para o acompanhamento do trabalho de parto, sem necessidade da prescrição de inibidores da ação da heparina.

 

MANEJO DURANTE O PUERPÉRIO E ALEITAMENTO

 

O pós-parto é o período de maior risco de trombose. O reinício da anticoagulação deve ser feito com HBPM seis horas após o parto vaginal e 12 horas após a cesariana. O cumarínico pode ser iniciado 48 horas após a heparina, mantendo a administração simultânea dos anticoagulantes até que o INR atinja os valores esperados. Pacientes em uso de heparina profilática durante a gravidez devem manter o tratamento por seis semanas após o nascimento e, nestes casos, como não há necessidade do uso prolongado de anticoagulantes, sugerimos a utilização da HBPM durante todo o período. Essa opção é mais confortável para a paciente, uma vez que não há necessidade da repetição dos testes de coagulação para ajustes de doses, procedimentos obrigatórios se optarmos pelo uso do cumarínico. As pacientes portadoras de SAF clínica (trombose prévia ou acidente vascular encefálico) devem manter a anticoagulação por toda a vida e substituir a heparina pelo cumarínico, que é eliminado em quantidades mínimas no leite materno e, portanto, seguro para uso durante a amamentação, assim como a heparina e a aspirina. O cumarínico deve ser administrado em doses diárias para manter o TAP com o INR entre 2,0 e 3,0 para as pacientes com eventos venosos e entre 2,5 e 3,5 para aquelas com eventos arteriais anteriores.

 

No momento do parto, as recomendações de anticoagulação para pacientes portadoras de trombofilias hereditárias não diferem das recomendações para outras trombofilias.

 

 Conclusão

 

Existem atualmente protocolos bem-estruturados para a profilaxia de eventos trombóticos na gravidez e para manejo das pacientes em situações especiais, como parto e puerpério. Infelizmente, apesar do surgimento de novas drogas antitrombóticas, ainda não temos uma opção que reúna eficácia, segurança e custo acessível a ser utilizada no período gestacional e durante o aleitamento. Com relação aos medicamentos disponíveis, atualmente, a heparina é a droga mais segura para ser utilizada no período gestacional, exceto nas pacientes portadoras de válvulas cardíacas metálicas que se beneficiam com o uso do cumarínico. Tanto os agentes antitrombóticos, quanto as novas drogas derivadas da heparina não contam com estudos suficientes que apontem segurança e eficácia para a sua utilização na gravidez e ficam reservadas para os casos de trombocitopania grave e intolerância ao uso de heparina.

 

Fonte: Revista Hupe - Abr/Jun - 2015

Vol. 14 , N.  2

Artigos de Revisão - ANTICOAGULAÇÃO NA GRAVIDEZ -Flávia C. dos Santos, Guilherme R. de Jesús, Nilson R. de Jesús, Roger A. Levy.